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As feridas que atravessam o oceano: por que cuidar do que ficou antes de seguir adiante

Quando você chegou na Europa, muita coisa começou a doer: a saudade da família, a solidão nos pequenos gestos, o medo de não se adaptar, o peso de ser para sempre “a estrangeira”.

Mas, pensa bem: há dores que já estavam ali muito antes da passagem de avião. Dores que não nasceram na imigração, mas que sim, a imigração escancarou. E, se elas não forem cuidadas, essas feridas antigas começam a se confundir com os sofrimentos novos, até que você já não saiba mais o que dói: se é o presente ou o passado que nunca foi elaborado. E é sobre isso que quero falar hoje com você.

O silêncio que grita

Toda mulher imigrante atravessa o oceano com mais do que malas e documentos. Ela carrega também histórias mal resolvidas, traumas familiares, vivências de abandono, rupturas afetivas, frustrações profissionais, violências normalizadas e pequenas dores acumuladas ao longo de anos. Muitas vezes, são histórias nunca ditas, jamais nomeadas, que foram sendo silenciadas no cotidiano e naturalizadas como “parte da vida”.

Mas essas feridas, mesmo abafadas, seguem vivas. E a imigração (que é um processo intenso de reinvenção) frequentemente funciona como um gatilho que as reativa. Isso porque o deslocamento geográfico, não raro, ativa um “deslocamento psíquico”, fazendo com que antigas vivências emocionais, antes adormecidas ou mantidas sob controle, retornem com força. A nova cultura, ao invés de apagar as dores passadas, muitas vezes funciona como espelho ou amplificador.

Quando tudo se mistura e nada mais se explica

É muito comum que, na Europa, a mulher brasileira comece a sentir uma tristeza persistente, uma irritação que não tem nome, uma exaustão emocional que não se justifica apenas pela adaptação. E ao tentar entender de onde vem esse sofrimento, a resposta costuma ser: “deve ser a saudade do Brasil”, “deve ser o choque cultural”, “deve ser porque não me adaptei”.

Mas nem sempre é.

Às vezes, essa dor é a continuação de um sofrimento anterior (que só agora encontrou espaço para emergir). A solidão que você sente hoje pode estar ressoando a ausência de cuidado na infância. A desvalorização profissional pode reativar feridas de autoestima que já existiam. As dificuldades no relacionamento podem trazer à tona padrões familiares antigos, não elaborados.

Quando essas camadas se embolam, você, mulher imigrante corre o risco de se perder de si mesma. De achar que “tudo começou aqui”, quando na verdade, muitas coisas apenas continuaram.

Cuidar das dores antigas é cuidar do futuro

Não se trata de buscar culpados. Trata-se de reconhecer que ninguém parte de um ponto neutro. A migração acontece sobre uma história já existente. E quanto mais consciência você tiver das marcas que trouxe do Brasil, mais capaz será de identificar o que de fato é novo e o que é repetição.

Quando você muda de país, você migra com seus vínculos, com suas perdas, com sua história inconsciente. E essa história insiste em reaparecer, mesmo que o entorno tenha mudado. Ou seja: mudar de país não apaga a trajetória emocional. Pelo contrário, muitas vezes ela reaparece com força.

E cuidar dessas feridas não é voltar ao passado, é libertar o presente. É permitir que a experiência migratória seja uma construção real, e não apenas uma repetição disfarçada. É separar as dores, entender suas origens, criar novos significados. É dar à sua história o espaço que ela merece, com escuta, com paciência e com autenticidade.

Palavras finais: migrar sem se perder de si

A imigração é uma travessia, mas não se atravessa um oceano sem olhar para as correntes internas que nos movem.

Talvez você tenha partido porque queria mudar de vida. Mas mudar de vida, às vezes, exige também mudar de olhar. Olhar para si com mais generosidade. Olhar para o passado com mais maturidade. E, principalmente, olhar para o que dói, antes que a dor decida falar mais alto que você.

É possível começar de novo, mas não dá para recomeçar se a bagagem emocional continua aberta e sangrando. Cuidar dessas feridas não é um luxo: é uma necessidade silenciosa que, quando escutada, permite que a mulher imigrante caminhe com mais leveza, mais autonomia e mais inteireza. Você está pronta para cuidar dessa bagagem emocional que trouxe consigo do Brasil?

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Autoestima: um alicerce emocional para mulheres imigrantes

Você já me ouviu dizer que migrar é um ato de coragem. Afinal, você não pega só um avião e muda de endereço, mas atravessa fronteiras geográficas, culturais, emocionais e simbólicas. E embora essa travessia seja muitas vezes motivada por sonhos, oportunidades ou necessidades, ela quase sempre coloca você diante de uma pergunta silenciosa e poderosa: Quem sou eu, agora, neste novo país?

É aqui que sua autoestima se torna um eixo central na sua experiência migratória.

Ao contrário do que muitos pensam, a autoestima não é apenas “gostar de si mesma” ou “ter pensamentos positivos sobre quem você é”. Na psicologia, compreendemos a autoestima como o valor que atribuímos a nós mesmas a partir da percepção de quem somos, do que merecemos e do quanto sentimos que pertencemos (não apenas no plano individual, mas também no social e no simbólico).

Para mulheres imigrantes, como eu e você, essa construção da autoestima se torna ainda mais complexa. Isso porque o processo migratório desestabiliza estruturas identitárias, desloca papéis sociais e exige a reinvenção constante de si mesma em um novo território, muitas vezes sem os apoios emocionais, culturais e familiares que sustentavam nossa autoestima no país de origem.

O que a migração faz com a sua autoestima?

Os estudos na área da psicologia intercultural, como os de Berry (1997) e Achotegui (2002), demonstram que migrar pode provocar um impacto significativo na sua percepção de valor pessoal. Afinal, muitos dos elementos que antes reforçavam a sua autoestima — profissão reconhecida, rede de amizades, domínio da língua, senso de pertencimento — são, em alguma medida, perdidos ou transformados durante a imigração.

Além disso, o racismo, a xenofobia e a invisibilização social que muitas imigrantes brasileiras enfrentam na Europa geram uma constante sensação de inadequação. Como psicóloga, eu escuto com frequência relatos como:

“Eu me sinto menos inteligente aqui porque não consigo me expressar como antes.”
“No Brasil eu era alguém, aqui pareço invisível.”
“Parece que nunca estou à altura.”

Esses sentimentos, embora compreensíveis, corroem lentamente a autoestima, especialmente quando não são elaborados com o devido cuidado.

Por que fortalecer a sua autoestima é urgente?

A autoestima funciona como um alicerce emocional. É ela que sustenta a sua capacidade de tomar decisões com segurança, de estabelecer limites, de construir vínculos saudáveis e de lidar com os desafios diários com mais resiliência. Quando você fortalece sua autoestima como uma mulher imigrante, passa a se relacionar com a experiência migratória de forma menos reativa e mais consciente.

E então você começa a não se anular para ser aceita, a não depender da aprovação externa para se sentir válida, e, o mais importante, a não se abandonar no processo de adaptação.

Ter autoestima significa manter viva a sua história — mesmo que o mundo ao redor ainda não a reconheça por completo. É sustentar internamente o valor de ser quem você é, mesmo diante do desconhecido.

Como cuidar da sua autoestima vivendo fora?

O fortalecimento da sua autoestima não acontece por mágica, e tampouco depende apenas de frases motivacionais. É um trabalho interno que te exige consciência, cuidado e, muitas vezes, apoio psicológico especializado. Abaixo, compartilho alguns pontos essenciais:

  • Reconhecer os impactos da imigração na sua identidade: Validar o que está difícil é o primeiro passo para cuidar de si.
  • Revisar suas referências de valor: Será que você está medindo sua autoestima por padrões que já não fazem sentido na sua vida atual?
  • Construir vínculos com quem te vê de verdade: Relações que acolhem e não julgam são fundamentais para reerguer a autoestima.
  • Cultivar narrativas internas mais compassivas: A forma como você fala consigo mesma importa, principalmente em momentos de fragilidade.
  • Buscar espaços seguros de escuta e reconstrução: A psicoterapia pode ser um desses espaços. Um lugar onde você não precisa estar pronta, apenas disposta a se reencontrar.

A autoestima é um direito

Por fim, é preciso afirmar algo que talvez você nunca tenha ouvido com clareza: ter autoestima é um direito seu e não um luxo, nem um capricho. É o que te permite sustentar a sua dignidade mesmo em um país que ainda não entende sua trajetória. É o que te dá força para construir uma vida com sentido, mesmo longe das raízes. E, sobretudo, é o que te lembra, todos os dias, que você merece ocupar o seu lugar no mundo — com voz, com presença e com verdade.