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E se eu quiser voltar? As dores de uma decisão silenciosa entre muitas imigrantes

Voltar para o Brasil. Essa ideia, que em outros tempos pareceria fracasso ou fraqueza, hoje emerge em muitas mulheres imigrantes como uma possibilidade real, dolorosa, solitária e, quase sempre, muito mal compreendida.

Talvez você esteja nesse ponto e já tenha até tentado de tudo: acomodou-se o melhor que pôde, estudou, trabalhou, construiu vínculos, aprendeu a língua, entendeu os códigos sociais, fez concessões. E, mesmo assim, sente que algo segue fora do lugar.

Às vezes, é a saudade que não dá sossego. Outras vezes, é um cansaço que se acumula, dia após dia, de viver em luta: para se afirmar, para ser compreendida, para ocupar um espaço onde, apesar dos anos, ainda se sente estrangeira.

E quando esse desejo de voltar aparece, ele raramente vem sozinho. Vem com culpa. Com medo. Com vergonha de parecer fraca. Com dúvidas que não cessam: “será que estou desistindo fácil demais?”, “e se eu me arrepender depois?”, “o que vão pensar de mim?”, “e se eu não me adaptar nem aqui nem lá?”. Se reconheceu?

Há também o medo do retorno: encontrar um Brasil que já mudou, relações que já não existem, ou mesmo a si mesma, tão transformada que já não se encaixa mais no lugar de antes. Mulheres que passam por isso vivem num entre-lugar. Entre dois países, entre duas culturas, entre duas versões de si.

Esse limbo não tem mapa, nem resposta certa. E é por isso que tantas imigrantes silenciam esse desejo. Porque não querem ouvir conselhos apressados, comparações cruéis ou julgamentos mascarados de otimismo.

Mas há algo que precisa ser dito com toda a clareza e cuidado:

A experiência migratória é complexa, exigente e profunda. E cada mulher tem um processo único de adaptação, pertencimento e escolha. Voltar não é sinônimo de fracasso, assim como permanecer não é sempre sinônimo de sucesso.

Mais importante do que onde você vive, é como você vive. Se está em paz com suas decisões, se sente que tem o direito de existir por inteiro, aqui, lá, ou em qualquer lugar do mundo.

O que verdadeiramente importa é que você se sinta pertencente ao seu próprio processo. Que ele seja seu. Com todas as ambivalências, dúvidas e recomeços que forem necessários.

Se decidir voltar, que seja com consciência, coragem e cuidado.
Se decidir ficar, que seja com enraizamento, escuta e leveza.

Não há resposta certa: há o seu tempo, o seu corpo, a sua história. E elas merecem ser ouvidas, com profundidade, sem pressa e sem culpa.

Se este tema te tocou, recomendo a leitura deste outro artigo:
➡️ “As feridas que atravessam o oceano: por que cuidar do que ficou antes de seguir adiante?”
Nele, aprofundo a importância de reconhecer os lutos invisíveis que carregamos na imigração e como eles afetam decisões como essa.

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As feridas que atravessam o oceano: por que cuidar do que ficou antes de seguir adiante

Quando você chegou na Europa, muita coisa começou a doer: a saudade da família, a solidão nos pequenos gestos, o medo de não se adaptar, o peso de ser para sempre “a estrangeira”.

Mas, pensa bem: há dores que já estavam ali muito antes da passagem de avião. Dores que não nasceram na imigração, mas que sim, a imigração escancarou. E, se elas não forem cuidadas, essas feridas antigas começam a se confundir com os sofrimentos novos, até que você já não saiba mais o que dói: se é o presente ou o passado que nunca foi elaborado. E é sobre isso que quero falar hoje com você.

O silêncio que grita

Toda mulher imigrante atravessa o oceano com mais do que malas e documentos. Ela carrega também histórias mal resolvidas, traumas familiares, vivências de abandono, rupturas afetivas, frustrações profissionais, violências normalizadas e pequenas dores acumuladas ao longo de anos. Muitas vezes, são histórias nunca ditas, jamais nomeadas, que foram sendo silenciadas no cotidiano e naturalizadas como “parte da vida”.

Mas essas feridas, mesmo abafadas, seguem vivas. E a imigração (que é um processo intenso de reinvenção) frequentemente funciona como um gatilho que as reativa. Isso porque o deslocamento geográfico, não raro, ativa um “deslocamento psíquico”, fazendo com que antigas vivências emocionais, antes adormecidas ou mantidas sob controle, retornem com força. A nova cultura, ao invés de apagar as dores passadas, muitas vezes funciona como espelho ou amplificador.

Quando tudo se mistura e nada mais se explica

É muito comum que, na Europa, a mulher brasileira comece a sentir uma tristeza persistente, uma irritação que não tem nome, uma exaustão emocional que não se justifica apenas pela adaptação. E ao tentar entender de onde vem esse sofrimento, a resposta costuma ser: “deve ser a saudade do Brasil”, “deve ser o choque cultural”, “deve ser porque não me adaptei”.

Mas nem sempre é.

Às vezes, essa dor é a continuação de um sofrimento anterior (que só agora encontrou espaço para emergir). A solidão que você sente hoje pode estar ressoando a ausência de cuidado na infância. A desvalorização profissional pode reativar feridas de autoestima que já existiam. As dificuldades no relacionamento podem trazer à tona padrões familiares antigos, não elaborados.

Quando essas camadas se embolam, você, mulher imigrante corre o risco de se perder de si mesma. De achar que “tudo começou aqui”, quando na verdade, muitas coisas apenas continuaram.

Cuidar das dores antigas é cuidar do futuro

Não se trata de buscar culpados. Trata-se de reconhecer que ninguém parte de um ponto neutro. A migração acontece sobre uma história já existente. E quanto mais consciência você tiver das marcas que trouxe do Brasil, mais capaz será de identificar o que de fato é novo e o que é repetição.

Quando você muda de país, você migra com seus vínculos, com suas perdas, com sua história inconsciente. E essa história insiste em reaparecer, mesmo que o entorno tenha mudado. Ou seja: mudar de país não apaga a trajetória emocional. Pelo contrário, muitas vezes ela reaparece com força.

E cuidar dessas feridas não é voltar ao passado, é libertar o presente. É permitir que a experiência migratória seja uma construção real, e não apenas uma repetição disfarçada. É separar as dores, entender suas origens, criar novos significados. É dar à sua história o espaço que ela merece, com escuta, com paciência e com autenticidade.

Palavras finais: migrar sem se perder de si

A imigração é uma travessia, mas não se atravessa um oceano sem olhar para as correntes internas que nos movem.

Talvez você tenha partido porque queria mudar de vida. Mas mudar de vida, às vezes, exige também mudar de olhar. Olhar para si com mais generosidade. Olhar para o passado com mais maturidade. E, principalmente, olhar para o que dói, antes que a dor decida falar mais alto que você.

É possível começar de novo, mas não dá para recomeçar se a bagagem emocional continua aberta e sangrando. Cuidar dessas feridas não é um luxo: é uma necessidade silenciosa que, quando escutada, permite que a mulher imigrante caminhe com mais leveza, mais autonomia e mais inteireza. Você está pronta para cuidar dessa bagagem emocional que trouxe consigo do Brasil?

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Voltar ou ficar? O dilema de tantas brasileiras imigrantes na Europa

Decidir voltar para o Brasil ou permanecer na Europa é, talvez, uma das questões mais íntimas, dolorosas e solitárias que uma imigrante pode viver. Essa dúvida não nasce de um dia para o outro — ela vai se formando aos poucos, no silêncio das noites em que o travesseiro se torna confidente. Ela aparece na saudade da comida feita pela mãe, no vazio das celebrações distantes, nas tentativas de pertencer a um lugar onde a gente sempre parece um pouco de fora.

Se você está passando por esse momento de indecisão, quero te convidar a fazer uma pausa comigo agora. Vamos conversar com calma. Sem pressa, sem julgamentos, sem fórmulas prontas. Apenas com presença e escuta.

Quando a saudade grita mais alto

A saudade não é só um sentimento. Para muitas mulheres migrantes, ela se manifesta no corpo: na ansiedade que aperta o peito, na angústia que tira o sono, na tristeza que aparece mesmo quando a vida parece estar “indo bem”. É um vazio difícil de explicar para quem nunca saiu do seu país.

Segundo Joseba Achotegui, psiquiatra espanhol que estuda os efeitos psicológicos da migração, o luto migratório é um processo complexo que envolve perdas múltiplas: da língua, da cultura, dos vínculos sociais, do status profissional e até da própria identidade. A saudade, nesse contexto, não é um capricho — ela é parte legítima de um processo emocional profundo.

Voltar ao Brasil, muitas vezes, parece ser a única forma de aliviar essa dor. Mas será que é mesmo o retorno que vai curá-la? Ou será que o que você precisa é se escutar com mais profundidade, com menos julgamento e com mais compaixão?

Informar-se com equilíbrio é essencial

Ficar pode ser um ato de coragem. Mas também pode ser exaustivo. Em especial quando as dificuldades parecem se repetir: barreiras linguísticas, isolamento, trabalho abaixo da sua qualificação, preconceito, burocracias infinitas e uma constante sensação de não pertencimento.

Ainda assim, é importante lembrar que as dificuldades fazem parte da fase de adaptação — e que adaptação é um processo, não um destino. John W. Berry, psicólogo canadense que estudou profundamente a adaptação intercultural, mostrou que, com o tempo e o suporte certo, é possível desenvolver estratégias para integrar-se à nova cultura sem perder sua própria cultura.

Mas isso exige tempo, suporte emocional e um olhar cuidadoso para si mesma. Permanecer não precisa ser um ato solitário. Você não precisa “dar conta de tudo” sozinha. Talvez esse seja justamente o momento de pedir ajuda.

E se o problema não for o país, mas o cansaço acumulado?

Muitas mulheres acreditam que voltar ao Brasil resolverá todos os seus incômodos. Mas às vezes o que está pesando não é o país onde vivem, e sim o acúmulo de experiências não elaboradas: frustrações engolidas, lutos não vividos, pressões internas e externas que não deram espaço para que suas emoções fossem escutadas.

Quando você se pergunta se deve voltar ou ficar, talvez a pergunta mais importante seja:
“O que eu realmente preciso agora?”

Você precisa de descanso? De pertencimento? De reconhecimento? De uma nova rede de apoio? De reconstruir sua autoestima? De voltar a sonhar?

Voltar ao Brasil pode ser, sim, uma escolha legítima e digna. Mas também pode ser uma fuga do que precisa ser olhado com mais profundidade.

Não se cobre por querer desistir. Mas também não decida de cabeça quente.

A migração, por mais desejada que tenha sido, não é um processo linear. Ela tem altos e baixos. Tem dias em que você se sente uma gigante por estar vencendo tantos obstáculos. E tem dias em que tudo o que você queria era estar no colo da sua mãe. Isso não significa que você está fracassando. Significa apenas que você é humana.

Se você está pensando em voltar, tente não tomar essa decisão no auge da dor. Decidir no momento da exaustão pode te levar a caminhos que você não deseja de verdade. Permita-se tempo para pensar, sentir, conversar com pessoas de confiança e buscar apoio psicológico.

O retorno ao Brasil pode ser o recomeço. Mas também exige preparação.

Se, depois de refletir profundamente, você entender que voltar é o melhor para você, saiba que isso também exigirá planejamento e adaptação. O retorno migratório, segundo diversos estudos, também pode causar choque cultural, frustração e sensação de deslocamento.

Você não será a mesma que partiu. E o Brasil também não será mais o mesmo. Por isso, independentemente da sua decisão, cuide da sua saúde mental. Acolha suas emoções com gentileza.

Você não precisa ter todas as respostas agora

Se posso te dizer algo como psicóloga intercultural, é: não existe resposta certa ou errada. Existe o que faz sentido para você hoje — com o que você sente, com o que você tem, com o que você pode.

E, às vezes, a decisão mais importante não é escolher entre voltar ou ficar. Mas escolher não se abandonar no meio do caminho.

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Família

O Dia dos Pais na vida das imigrantes: uma conversa sobre saudades, luto e relações complexas

Nem sempre a relação com nosso pai é perfeita e imaculada, como a sociedade espera.

O Dia dos Pais sempre traz à tona um turbilhão de emoções, especialmente para aquelas brasileiras que vivem longe de casa. É um dia em que, mais do que nunca, nos pegamos refletindo sobre a relação com nossos pais e como a distância, a perda ou as dificuldades no relacionamento afetam essa dinâmica.

A saudade de um pai distante

Para muitas de nós, imigrantes brasileiras, o Dia dos Pais pode ser especialmente difícil. A saudade aperta mais forte quando lembramos das celebrações em família, das pessoas queridas reunidas e das conversas ao redor da mesa. A distância física torna-se uma barreira dolorosa que parece crescer ainda mais nesse dia.

Quando estamos longe, as chamadas de vídeo sempre ajudam, e o bom dos avanços da tecnologia é que hoje em dia é possível ver e falar com nosso pai várias vezes no mesmo dia. Mas nem tudo é perfeito, pois nada substitui o contato físico, aquele abraço apertado que só ele sabe dar. Você sabe como é isso: às vezes, a saudade é tão grande que parece que vamos explodir. E quando isso acontece, uma sugestão é encontrar consolo nas pequenas coisas: uma foto antiga, uma lembrança especial ou mesmo escrever uma carta para ele, ainda que você se decida por não enviar.

Lidando com a perda

Para aquelas cujo pai já não está mais conosco, o Dia dos Pais é uma lembrança constante do vazio deixado pela sua partida. Para algumas pessoas, a perda é uma dor que nunca desaparece completamente. Ela se transforma, às vezes adormece, mas acorda com força total em dias como esse.

Conversar com amigas que passaram pela mesma experiência pode trazer algum conforto. Às vezes, compartilhar histórias, memórias e até mesmo lágrimas ajuda a aliviar o peso do luto. Escrever sobre seu pai, sobre o que ele significa para você, é uma maneira de mantê-lo presente na sua vida. No meu caso, sei que ele era orgulhoso de mim, da coragem que tive ao me aventurar pelas terras de seu pai, na Espanha. E mesmo que ele não esteja aqui fisicamente, sinto sua presença em cada passo que dou.

Existe um misto de emoções em relação aos nossos pais, independente da relação que construímos com eles.

Relações complexas

Nem todas nós tivemos ou temos uma relação fácil com nossos pais. Para algumas, o dia dos pais é um lembrete das feridas e das mágoas que ainda não cicatrizaram. É difícil transitar por esses sentimentos contraditórios, onde o amor e a dor se misturam.

Quando penso nas amigas que têm relações difíceis com seus pais, vejo o quanto é importante reconhecer e validar esses sentimentos. Não precisamos nos forçar a celebrar ou a seguir convenções sociais que não fazem sentido para nós. Faz parte da vida sentir raiva, tristeza, ou mesmo indiferença. O importante é encontrar uma forma de cuidar de nós mesmas, seja buscando apoio de amigos, falando com uma psicóloga ou simplesmente dando um tempo para respirar e refletir.

A rede de apoio

O que realmente faz diferença é ter uma rede de apoio sólida. Ter amigas que entendem o que estamos passando, que nos oferecem um ombro amigo e que nos lembram que não estamos sozinhas nessa jornada. Essas conexões são um alívio e uma fonte de força.

Conversas sinceras com pessoas que amamos podem trazer uma perspectiva nova e, muitas vezes, a sensação de que estamos todas juntas nisso. Às vezes, um simples “eu te entendo” faz toda a diferença. E, claro, criar novas tradições e rituais com nossos amigos e a família escolhida pode transformar um dia potencialmente triste em um momento de conexão e alegria.

Palavras finais

O Dia dos Pais para nós, imigrantes, pode ser uma montanha-russa de emoções. Seja pela saudade, pela perda ou por relações complicadas, cada uma de nós enfrenta desafios que são só nossos. Mas ao conversarmos sobre isso, ao partilharmos nossas histórias e ao apoiarmos umas às outras, encontramos maneiras de navegar por essas águas turbulentas.

Lembre-se de que não existe uma forma certa ou errada de sentir ou de lidar com esse dia ou com seus sentimentos. O importante é encontrar aquilo que te traz conforto e paz, e saber que, mesmo à distância, as conexões que fazemos são importantes alicerces de amor e apoio.

E você? Costuma se sensibilizar com os segundos domingos de agosto, mesmo estando longe do Brasil?